Esse artigo faz parte de uma série de três tratando de temas de direito francês de interesse para a comunidade brasileira na França. O primeiro tratou da utilização de documentos falsos sob o prisma penal. Este trata da possibilidade de regularização administrativa, ou seja, de obtenção de uma carta de residência (“titre de séjour”) por pessoas vivendo na França de forma clandestina. O próximo será sobre os direitos trabalhistas do funcionário sem título de trabalho.
A “Admissão Excepcional à Residência”
Este artigo tratará somente da Admissão Excepcional à Residência (Admission Exceptionnelle au Séjour ou “AES”). É a hipótese mais frequente de pedido de regularização, mas não é a única. Por exemplo, os brasileiros que se casam com franceses ou com cidadãos de países membros da União Europeia tem uma facilidade maior para regularizar a sua situação na França.
Em princípio, uma carta de residente só pode ser concedida a um estrangeiro que entra na França com um visto de “longa estadia” (artigo L. 313-2 do Código de Entrada e Residência de Estrangeiros e do Direito de Asilo – “CESEDA”, para a sigla em francês). Ou seja, a entrada sem visto de brasileiros como turistas não permite o pedido de uma carta de residência, uma vez no território francês.
No entanto, o artigo L. 313-14 do CESEDA prevê que uma carta de residência temporária “assalariado” ou “vida privada e familiar” pode ser concedida, a não ser que a sua presença represente um perigo para a ordem pública, ao estrangeiro cuja admissão responda a critérios humanitários, ou se justifique por motivos excepcionais. Neste caso particular, a obrigação de entrada com visto de longa estadia não se aplica.
Admissão Excepcional à Residência é a única possibilidade de regularização para centenas de milhares de imigrantes clandestinos na França. O Governo da França estima que por volta de 300 mil pessoas vivem ilegalmente na França, mas é provável que o número seja bem maior. As cartas de residência concedidas sob o fundamento da Admissão Excepcional à Residência oscilam entre 10 mil e 40 mil por ano. Logo, a Admissão Excepcional à Residência permanece... excepcional.
Os “motivos excepcionais”
Os critérios para aplicação do artigo L. 313-14 do CESEDA não são estabelecidos pela lei. A única indicação é de uma circular ministerial de 2012, dita circular Valls, que propõe alguns parâmetros para a Admissão Excepcional à Residência.
Um critério é comum à carta “vida privada e familiar” e a carta “assalariado”: uma estadia relativamente longa de cinco anos. Por exceção, se o dossiê é bastante completo, pode-se aceitar uma duração menor, de três anos. Esta estadia deve poder ser comprovada através de documentos administrativos, principalmente relativos aos impostos.
Além disto, para a “vida privada e familiar” a pessoa deve estar casada e vivendo com um estrangeiro, que ele mesmo está legalmente na França. Outra hipótese é ter crianças na França, já escolarizadas há mais de três anos.
Para a carta “assalariado” é necessária a produção de folhas de salário (“fiches de paie”), pelo menos 8 nos últimos 24 meses, ou 30 nos últimos cinco anos. Ademais, é preciso apresentar um contrato de trabalho ou uma promessa de contratação, acompanhados de um formulário de pedido de regularização assinado pelo empregador.
Como indicado anteriormente, estes critérios são indicativos. A promessa do empregador não é sempre obrigatória, se a pessoa pode provar um tempo longo de residência na França. Do outro lado, um tempo mais curto será suficiente com o apoio do empregador. Tudo é decidido no “cas par cas”. A prefeitura guarda a sua margem de apreciação e ninguém pode nunca estar certo do resultado do pedido.
A assistência de um advogado não é obrigatória, mas é preciosa para analisar e montar o dossiê, obter uma hora marcada, acompanhar a pessoa à prefeitura, etc. O apoio do empregador é muitas vezes decisivo. Além disso, o processo toma tempo, e é necessário se armar de muita paciência.
De nada serve fazer o pedido se os critérios não estão reunidos. Mesmo que estejam reunidos, de nada serve se não há documentos suficientes para demonstrá-lo. No entanto, respeitando-se as condições, a Admissão Excepcional à Residência pode ser a chance de inserção real e duradoura na sociedade francesa e milhares de estrangeiros a obtém todos os anos.
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